segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Capitulo 3- Uma questão de confiança



Estranhos acontecimentos têm assustado milhares de pessoas ao redor do mundo: Uma espécie não identificada de animal voador cai no Texas. Somente esta semana, mais de cinquenta corpos já foram encontrados sobre circustancias esquisitas... Tudo isso na edição de hoje, no Jornal Nacional.


Enquanto ouvia a música tema do noticiário, Guilherme separava os livros para o dia seguinte. Estava sentado no sofá da sala, sua testa encharcada de suor. A voz de Laura não saía de sua cabeça. “Ela gosta de você... Ela também gosta de você...” Ele se sentia inseguro quanto a namorar. Seu último relacionamente fora um desastre. Isso sem comentar das zombarias que teve de aguentar nos meses seguintes.


-Alguma garota, não é? – Seu pai passava pelo corredor, segurando uma xícara de chá. Guilherme sempre se surpreendia com a capacidade dos pais de simplesmente descobrir em que estava pensando.


-Ãnh... Na verdade foi um dia normal – Respondeu.


-Ah, é? Como explica esse suor, meu filho? - Henrique passara a mão pelos cabelos de seu filho. –Se nenhuma garota tem a ver com isso, vou te levar ao médico. - Disse ele, com um sorriso no rosto. –Já tive a sua idade, rapaz. Conte ao seu velho... O que se passa? –





Guilherme vacilou por alguns instantes, ele nunca teve nenhuma conversa desse tipo com seu pai. Achava estranho, mas ao mesmo tempo conformador que Henrique quisesse falar sobre isso. Depois de pensar um pouco, Guilherme conta tudo a seu pai.






-Bom... Não é tão ruim, você não deveria ter medo de nada.


-Não é medo, pai. Você não entendeu?! É vergonha...


-Vergonha... Mas de que? – Questionou Henrique, com um olhar astuto.


-Eu sou... Eu sou BVL ainda, pai.


-BVL? Meu deus! Como pode ser BVL?!- O pai perguntava assustado. -O que... O que é BVL? –






Naquele momento, os dois deram gostosas gargalhadas, e enquanto pai e filho conversavam abertamente, Guilherme já sentia uma pontada de confiança crescer em seu peito. Quando fora se deitar, sentia que amanhã seria um ótimo dia.


[...]





Uma sombra pessoa cruzava a mata densa e espinhosa, sem medo do que pudesse acontecer. Na escuridão, só se ouviam os suspiros de esforço e os leves estalos de galhos que eram quebrados ou arrastados para fora do caminho.


De repente, o homem interrompe a sua corrida. Estava na ponta de um desfiladeiro ingrime e cheio de pedaços aparentemente traiçoeiros. Logo a frente uma grande pradaria do mais verde gramado. Ao longe, à luz avermelhada do amanhecer, era possível avistar um castelo. Era de uma estrutura rústica, mas firme. Daquela distância, só era possível de se distinguir a cor, de um tom acinzentado como o concreto.


Aos poucos, Rufus descia o desfiladeiro, perigosamente seguido por algumas vozes que surgiam da floresta. Sem medo, continuou o seu caminho por entre cactos e pedras que rolavam encosta abaixo. Chegou em um terreno plano, e verde. Completamente coberto por uma grama macia e baixa.


De lá, pôde avistar um cavaleiro de armadura ainda no alto do desfiladeiro, cujo montava num imponente cavalo negro de olhos avermelhados. O homem encarava Rufus, com raiva no olhar. Segurava, na mão direita, uma lança com uma bandeira vermelha na ponta. Teria jogado ela, se não fosse tão valiosa. De uma ponta a outra, era completamente coberta de ouro. Do mais puro ouro de toda a Terra. O ouro élfico. Frustrado, o perseguidor se viu obrigado a retornar pela floresta.


Rufus ainda encarou por mais alguns segundos depois que o homem partiu, e então retomou seu caminho para o castelo. Na luz fraca do sol nascente, era possível notar que ele estava ferido.









Abriu a enorme porta do castelo de uma só vez, empurrando com as duas mãos. Os guardas do rei abriam passagem para o famoso guardião do mundo mágico.






-Vossa Majestade! - Gritou Rufus correndo para o meio do salão real, sentado no seu trono entalhado em ouro. Halt Whiteley era um dos poucos reis honestos e que ainda se preocupavam com seu povo. Governava toda a parte leste de Ausária. Um país completamente escondido por magia e do dobro do tamanho do Havaí, em alguma parte do oceano pacífico. Era um dos infinitos lugares onde a magia ainda reinava. A família Whiteley era de descendência nobre e pura, do clã dos lobos. Mas Halt ao contrário de sua família jamais se gabou por isso.






-Fale, Rufus. Qual o problema? - Perguntou o Rei, pacientemente se ajeitando no trono.






-Ricardo... O Conselho... - Falava ele, ofegante.


-Acalme-se homem. Fale em minha língua, por favor.






-Vossa majestade... - Rufus recomeçou, pausadamente. Ainda estava aflito com tudo o que aconteceu. - A Legião caiu. Ricardo Bertolazzo, ele prendeu Miguel Pazzi, Gregório Korolenko... Todos os grandes líderes mágicos.






-Mas o que...






-Tem mais, Vossa Majestade. - Rufus deu um último suspiro antes de dar a notícia. - Ele está formando um exército. Planeja tomar controle do mundo humano na próxima Lua Cheia. Bertolazzo tentou me pegar também, mas eu e o Lúcian desaparatamos na primeira oportunidade. Eu acabei me separando dele e não tenho mais notícias.






-Prepare o seu povo, Rufus. - Disse Halt com um olhar tenso. Seu cabelo esbranquiçado caindo aos olhos. -Nós vamos atrás do garoto. -


-Acha que é a profecia, Vossa Majestade? - Perguntou Rufus incrédulo. Ele não ouvia falar do garoto desde que era criança, e seus pais lhe contavam a lenda.


-Eu não acho. - Halt se levantou da cadeira e começou a andar pelo salão em direção a saída, sem olhar para Rufus, que ficou parado contemplando o Rei dos Lobos partir.


-É uma certeza. -

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Capitulo 2 -Volta às aulas

 

   O dia amanheceu bem mais rápido do que Guilherme poderia prever. Ainda se sentia exausto quando o despertador o levantou da cama. Ainda cansado, arrastou passos até o banheiro e lavou o rosto. Vamos, sono... Você precisa sair de mim...
   -Bom dia!- Entrou seu pai, abrindo o armário e pegando suas coisas. –Animado para o primeiro dia de aula? –
   Guilherme não entendeu praticamente nada. “Dia... Aula...” O sono era tanto que não podia distinguir palavras. A única coisa da qual Guilherme tinha certeza era de que precisava comer, pois estava faminto.
   Depois de tomar uma chuveirada que o deixou mais disposto, ele se dirigiu à cozinha, onde estava sua mãe.
-Bom-dia, querido. – Ela disse, enquanto continuava a fritar os ovos para a familia.
-Como você me viu? – Perguntou Guilherme, surpreso. Tinha certeza de que ela estava de costas quando chegara.
-Coisa de mãe- Disse ela com um sorriso. Provavelmente se sentia orgulhosa de dizer aquelas palavras.
   Sua mãe e seu pai –Julia e Henrique Albuquerque- eram de uma familia tranquila. O clima simples e pacifico era mantido à risca naquela casa. Os avós de Guilherme -tanto maternos quanto paternos- cresceram em uma pequena cidade no interior de São Paulo chamada Araçatuba. Eram fazendeiros, e como tal, tinham grande tradição familiar.
 -Está pronto, queridos! – Com um estalido, Julia tirou o último ovo da frigideira e o colocou numa bandeja junto ao restante da refeição. Guilherme sabia que atrás dele seu pai deveria estar levantando do sofá.
   A cozinha é de aparência simples, tradicional. Um clima antigo intencional foi feito nessa parte da casa. As paredes de madeira escura completam a imagem de família do interior juntamente com o pano vermelho e quadriculado da mesa.
-É isso aí, hora do rango!- Guilherme sentiu seu pai lhe dar um tapinha nas costas, carinhosamente.
-Animado para o primeiro dia de aula, filhão? – Perguntou Henrique, enquanto dava uma bela mordida no seu pão com ovo.
-Eu já falei várias vezes, pai... Ninguém fica animado com o primeiro dia de aula... – Apesar de falar com tanta convicção, Guilherme sabia que não era de inteiro verdade: Estava louco para rever seus amigos, principalmente Bárbara, que além de tudo era bonita.

-Tchau pai, tchau mãe! – Ele gritava enquanto se afastava pela rua, com a mochila pendurada em apenas um dos ombros, como era de seu costume.
   Guilherme ía se afastando de casa em direção à escola que ficava há poucas ruas de distância. Ele andava distraidamente, a imagem de Barbara balançando seus longos cabelos castanhos insistia em ficar na sua mente.
   De repente, ele ouve um som alto como de uma batida seca. Por susto, ele se vira rapidamente, mas não avista nada de diferente. Não deve ser nada importante, eu vejo na volta, pensou Guilherme.
[...]
-Oi! – Disse Laura, correndo em sua direção. Guilherme não hesitou em dar um abraço bem forte na amiga de infância. Tinha cabelos loiros estilo channel e lindos olhos verdes. Sua pele branca era pintada charmosamente com sardas.

-Pára de olhar para elas! Eu fico sem graça! – Ela reclamou.
-Pára você com isso, eu já disse que acho essas pintas uma graça. –
-Não são pintas, são...

-Ei, vamos entrar? – Chamou a coodenadora. Era baixinha e possuia uma pele pálida e enrugada - Já basta ter de acordar às cinco da manhã, eu não preciso ficar ouvindo lero-lero de pirralho.
  
   Já acostumados com o mau-humor de Fátima, eles entraram ainda sorridentes e foram para seus lugares.

-Bom-dia – Saudou uma voz rouca que poucos reconheceram. Percebia-se nesses alunos um profundo ar de desaprovação. –Não é porque hoje é o primeiro dia que não terá aula. Vamos começar para valer porque a matéria... – O homem era alto, careca e usava óculos redondos. Andava impacientemente de um lado para o outro na sala enquanto falava.

-Não é o professor Alencar? – Interrompeu Laura. –Ele não era só para o primeiro ano do ensino médio? – Dizia ela, quase sussurrando a seus amigos.
-Não é possível. Ou é muito azar ou é algum tipo de conspiração contra a gente. – Falava Ronaldo- outro amigo de Guilherme-, enquanto se sentava. Tinha curtos cabelos ruivos e olhos castanhos. - Eu não acho possível que a diretora tenha...
-Silêncio! –Alencar bateu com sua mão estendida na mesa de Guilherme, que estava entre Laura e o Ronaldo.
   Após essa experiencia desagradável, os três seguiram calados durante o resto da aula. Esperavam ansiosamente pelo intervalo, a fome começava a bater forte em Guilherme.
-Como eu ía dizendo... – Continuava o professor, após ser interrompido pela décima ou décima primeira vez por um de seus alunos. O conceito de Ciências esse ano também englobará... – Ele olha para cima: O sinal está tocando. –Física e química. Agora vão, estão dispensados. –
[...]
-Você viu a cara dele? Parecia que o cara tava sem dormir a um mês! – Dizia Ronaldo, incorfomado de ter sido repreendido na frente de seus colegas. Os três estavam no espaço aberto da escola, sentados próximos a uma árvore. Guilherme, que saboreava seu sanduíche de mortadela com vontade, sequer se esforçou para responder-Apenas sacudiu a cabeça positivamente –
-Guilherme, Guilherme! – Chegava Laura, após uma longa conversa com suas amigas. –Você não vai acreditar: A Bárbara também gosta de você!
-Falle rais bairro! – Apressou-se em responder, ainda engolindo o último pedaço de seu lanche. – Eu não quero que a escola inteira saiba disso... Como é? Ela gosta de mim? – Falou, num tom mais calmo.
-Exatamente. Eu estava falando com a Gabriela, você sabe que elas duas são muito coladas, e foi ela que me falou isso! – Laura estava quase tão contente quanto Guilherme. Na realidade, até mais que ele. O garoto nervoso demais para conseguir sentir a felicidade.
-Então... Ok. Vou voltar para a sala, depois a gente vê isso. – Ele se retirou do local, sentindo o olhar desapontado de seus amigos perfurando-lhe as costas.
   Não demorou muito para o intervalo acabar de vez, com o sino agudo tocando novamente. O restante da manhã seguiu como de costume. Como o terceiro tempo de aula era de história, todos ficaram mais à vontade. Guilherme evitou ao máximo papear com seus colegas: Ele ainda precisava pensar na situação e planejar o que faria.
[...]
   A aula acaba. Com uma breve despedida, Guilherme se apressa para não dar chances de uma conversa engatar. Sai andando pela rua em direção a sua casa, torcendo para que ninguém chame por ele. E quando já está quase desaparecendo na esquina, eis que uma voz grita da escadaria do colégio. Guilherme não se vira, finge que não ouviu.
   Depois de caminhar calmamente por mais da metade do caminho para casa, ele tem certeza de que a tal pessoa não veio atrás dele. Já mais calmo, ele diminui o ritmo da passada, pois é difícil andar velozmente no clima quente de Brasilia, ainda mais quando se faz isso uma e meia da tarde.
   Enquanto enxuga o suor que insiste em pingar de sua testa, ele nota um agrupamento de pessoas próximas de um beco. São dezenas de cidadãos comuns, que aparentemente observam alguma coisa no chão. Como a curiosidade era maior que o medo, Guilherme não hesitou em ir investigar.
-Com licença, com licença. – Ele ía se esticando por entre as pessoas.
   Faz um último esforço para conseguir ver o que é, e então pára horrorizado. Guilherme não tem palavras. Seus olhos mostram o panico e nojo que ele sente ao mesmo tempo.
   No chão, um corpo mutilado jaz ao fim de uma trilha de sangue que marca o meio da rua. O cadaver só foi parar ao bater no muro de tijolos do beco sem saída. Guilherme sente que um sorriso irônico quer lhe invadir o rosto.
-Então era esse o barulho de hoje cedo. -


sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Capítulo 1- Ruas de Londres

   Passava das onze horas da noite. Uma brisa suave circulava por entre as vielas de Londres, o vento parecia uivar enquanto passeava pela cidade, com um som sinistro. Uma figura solitária andava envolta na escuridão. Suas silhuetas mal se distinguiam sob a luz tortuosa e vacilante dos lampiões. Quem quer que fosse, usava um casaco de capuz negro que se estendia até o chão. Seu rosto era pálido e tinha traços de uma pessoa velha, com no mínimo seus sessenta e tantos anos estampados no rosto, o homem passava silenciosamente por entre as casas simples. Não parecia ter pressa. Caminhava nas ruas de paralelepípedos ouvindo o som de seus próprios passos. Os sapatos que usava, recentemente lustrados, pareciam ranger levemente a cada passo que era dado.


   Depois de alguns minutos, parou numa calçada. O sujeito olha para os dois lados antes de atravessar a rua. O homem simplesmente interrompe a sua caminhada em plena pista, ficando de pé no meio de um cruzamento. Estava no local marcado.


   Latidos são ouvidos ao longe, além de uma melodia triste, oriunda de uma igreja na esquina. O sujeito tira o capuz e arrasta a mão para dentro de suas vestes. Tira de lá um isqueiro e um cigarro, ao qual acende cuidadosamente tapando o vento com a mão esquerda.


   A fumaça se espalha no meio da noite, até desaparecer por completo. O barulho na esquina vai diminuindo, está ficando tarde. O homem olha para a sua esquerda, e então para a direita: Nada. De repente, ele escuta um estampido seco atrás de si e se vira instintivamente. Lá encontra dois homens vindo em sua direção. Dois rostos familiares.






-Caro Gregório, quanto tempo! – Diz o primeiro, enquanto se aproxima. O recém-chegado é alto, negro. Apesar de não poder ver a sua feição detalhadamente, Gregório o reconhecia como um amigo de longa data. Vestia uma roupa quase completamente negra, estampada com uma cruz vermelha ao centro. –Que cara é essa? Não vai me dar más notícias, hein... – O homem aperta a mão de seu velho amigo, era jovem e não parecia ter mais que quarenta anos.
-Temo dizer que sim, Miguel. - Gregório diz sorrindo tristemente.
O outro indivíduo vai passando direto, vestindo um sobretudo e um chapéu coco discreto. Dá para notar sua franja ruiva que cai-lhe a testa. Ele se vira para os outros dois.


-Vamos, Miguel. Sabe que não há tempo para isso. As coisas estão se tornando mais complicadas a cada segundo! –






   Assim os homens adentram um bar deserto na esquina, e esperam por uma outra pessoa.


-Três das melhores cervejas que tiver! –Fala Miguel, apoiado no balcão enquanto gesticula para o homem baixo e gordo com aparência de barman. O trabalhador anota o pedido e desaparece entrando por uma portinhola que leva para a cozinha do local.






   Os três amigos procuram por uma mesa próxima a janela. Existe um grande adesivo com a foto do barman carrancudo, que sorria de forma exagerada. “Bar do Joe: beba para esquecer, mas não se esqueça de beber”. Eles penduram os casacos nas cadeiras e se sentam.






-Vai chover, parece. – Diz Gregório, num tom de preocupação enquanto olhava pela grande vidraça.


-Você tem andado tempo demais com os humanos, amigo. - Precipita-se Miguel. –Isso não é problema para nós. –






   Um clarão colorido no meio do salão atrai a atenção de todos, junto com o som de algo caindo. Um homem albino de cabelos grandes brancos aparece em pé no meio do bar, onde uma pequena fumaça preta ainda se dissipava. Ele se dá leves tapinhas pelo corpo, como se estivesse se limpando. O homem, conhecido a todos como Lúcian, se junta a seus amigos na mesa.






-Estou atrasado, não é? Desculpem a demora, camaradas. – Diz em um tom animado. –Estava fazendo a varinha do meu garoto... Já está com treze anos, sabiam? Mas enfim, do que se vale a honra de meu convite? –






   A conversa é interrompida por Joe, que entra novamente na sala trazendo três grandes e espumantes canecas de cerveja numa bandeja. Mancando sob o peso da idade, caminha até a mesa dos quatro homens e serve a todos, com exceção do albino.






-Desejam mais alguma coisa senhores? – Diz o rapaz, fazendo uma espécie de reverencia.


-Não, obrigado... – Começa Miguel- Ah... Perdoe minha falta de educação, Lúcian, vai querer alguma coisa?- Dirige a palavra ao recém chegado companheiro.






-Não bebo. Mas de qualquer forma, obrigado. – Sorri, enquanto o barman os deixa a sós outra vez.






-Ele é sempre falante, é? Esse Miguel?- Pergunta Rufus, o mais rabugento do grupo. Era o homem que aparecera com Miguel na rua. Tinha uma franja ruiva e expressão gasta, cansada. -Desde que fiquei encarregado de trazê-lo aqui ele ainda não calou a boca. –






-Com certeza. – Respondem em coro. Miguel levanta seu copo de cerveja, como num brinde ao comentário de seus amigos.






-Sem mais delongas, vou apresentar o motivo de estar reunido com vocês, hoje. – Disse Gregório, tirando de seu casaco um envelope escuro. –A situação... Companheiros... – Ele abre o envelope e mostra seu conteúdo: Vários papéis com gráficos e estatísticas coloridas. – É crítica. –






Por um momento todos se olham, sem saber o que fazer ou falar. Gregório não faz nenhuma pausa em seu discurso.


-... Como sabem, Ricardo vem mostrando toda sua antipatia pelos humanos nos últimos meses, então a inteligência foi colocada atrás dele. Não demorou muito até que descobrissem que ele está formando um exército. –






Uma expressão de surpresa e pânico se alastrou pelo rosto de todos, exceto Rufus, que apenas franziu a testa.


-E já sabem para que ele formou esse exército? Pode ser apenas por precaução... –


- Precaução contra o quê?! Não seja ingênuo, Rufus... – Um sorriso maldoso se espalhou pelo rosto de Gregório. –Você sabe que ele não é dessas coisas.






   Uma fumaça preta surgiu no meio do bar e foi se alastrando pela sala, cegando a todos. Assustados, os amigos se calaram na mesma hora. Todos admiraram a cena sem reação, até que por fim a fumaça rodou contra si mesma, até desaparecer. Agora havia outro homem entre eles. Este era jovem e branco, de aparência imponente. Tinha um curto cabelo preto, se vestia socialmente. Não parecia ter mais do que vinte anos, para ser sincero.






-É feio falar dos outros pelas costas, sabiam?–






   Rufus sentiu o coração gelar enquanto olhava para o Príncipe da Escuridão. Gregório catou todos os papeis o mais rápido que pode, jogando-os para dentro das vestes desajeitadamente. Miguel levantou-se furiosamente:


-O que você faz aqui, Ricardo?! – Seus olhos tomavam uma coloração avermelhada enquanto a raiva crescia dentro de si.






Rufus fez questão de segurá-lo, o mais rápido que pôde. –Não vale à pena... – Ele dizia com um voz calma e convincente.


Ricardo agora olhava debochadamente para eles. –Ora... Ora... O que temos aqui? – Disse com sua voz suave, enquanto se aproximava da mesa. Com sua mão direita, pegou um papel que havia caído ao chão no meio da tentativa falha de organizar os documentos. –Espionagem, não é? –






   Seu aspecto calmo mudou de repente, estalou os dedos. De repente surgiram mais cinco homens no espaço apertado do bar. Os seus subordinados pegaram a todos os que se reuniam na mesa, imobilizando-os. Enquanto Ricardo apenas sorria, seus empregados carregavam a todos para fora.


-Isso não é uma revolta. Isso é uma revolução... – Falou em voz alta.


-Você é maluco! – Gritava Lúcian, tentando se livrar da mão deles.


-... É o começo de uma nova era! – Gritava Ricardo feliz, até ser surpreendido pelo som de uma portinhola de madeira que se abriu ruidosamente atrás dele. Joe entrava novamente, carregando consigo outra bandeja de bebidas. O pobre homem não poderia ter escolhido momento pior para entrar.


-Humano? - Ricardo perguntou confuso. Mas logo se recuperou da dúvida, quando um sorriso malicioso se apoderou de seu rosto. Seus olhos foram ganhando aos poucos uma coloração avermelhada, enquanto encarava o senhor que observava tudo assustado. Com uma última risada de triufo, Ricardo olhou para um de seus homens.
-Mate-o.



[...]


   Guilherme acordava assustado. O cabelo ruivo estava encharcado de suor e sua coberta colada ao corpo. Aquilo só podia ser um pesadelo. Mas sonhar assim, com pessoas que ele jamais viu... E amanhã era seu primeiro dia de aula. Com certeza devia ser um presságio: seria um dia assustador.


  Sentiu sua garganta seca. O copo d’agua que sempre deixava na cabiceira estava vazio. Foi uma noite quente. Ele olhou em volta, observou todo o seu quarto: Paredes brancas, um pôster de Michael Jackson ao lado da porta. O armário encostado na parede do outro lado, a televisão em cima da cômoda e sua cabiceira, com livros de matemática e ciências, todo o material para amanhã cedo – Além de um copo vazio -.


   Levantou-se, deu um bocejo e se espreguiçou bem. Ajeitou a blusa e pegou rumo ao corredor, estalando a língua. Estendeu a mão até a maçaneta e viu em seu braço a marca de nascença em forma de uma lua minguante. Abriu a porta vagarosamente e olhou para o corredor escuro. Por força do hábito, ele aperta o interruptor. Num susto, Guilherme é praticamente cegado pela luz e se apressa a tapar os olhos com o antebraço. Parado, ele espera que a visão se acostume para continuar.


   Passando pela sala, -ainda com as pálpebras meio fechadas- Consegue identificar o video game Xbox no canto, em cima da estante. É... Agora só nos finais de semana. Pensou. O menino passara praticamente as férias todas grudado na televisão. Era um garoto de 14 anos que nunca gostou de esportes. Não fazia sentido para ele jogar qualquer coisa com uma bola: Era estranho... Era chato. Sua atividade preferida era jogar os jogos de tiro que ele tanto gostava: os FPS.


   Na cozinha, ele vai até a geladeira e pega uma nova jarra de água. Leva-a inteira até o quarto e enche seu copo. Só depois percebe que está com muita preguiça para devolver a jarra. Guilherme se joga na cama -não antes de beber dois copos cheios - e cai no sono rapidamente.