sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Capítulo 1- Ruas de Londres

   Passava das onze horas da noite. Uma brisa suave circulava por entre as vielas de Londres, o vento parecia uivar enquanto passeava pela cidade, com um som sinistro. Uma figura solitária andava envolta na escuridão. Suas silhuetas mal se distinguiam sob a luz tortuosa e vacilante dos lampiões. Quem quer que fosse, usava um casaco de capuz negro que se estendia até o chão. Seu rosto era pálido e tinha traços de uma pessoa velha, com no mínimo seus sessenta e tantos anos estampados no rosto, o homem passava silenciosamente por entre as casas simples. Não parecia ter pressa. Caminhava nas ruas de paralelepípedos ouvindo o som de seus próprios passos. Os sapatos que usava, recentemente lustrados, pareciam ranger levemente a cada passo que era dado.


   Depois de alguns minutos, parou numa calçada. O sujeito olha para os dois lados antes de atravessar a rua. O homem simplesmente interrompe a sua caminhada em plena pista, ficando de pé no meio de um cruzamento. Estava no local marcado.


   Latidos são ouvidos ao longe, além de uma melodia triste, oriunda de uma igreja na esquina. O sujeito tira o capuz e arrasta a mão para dentro de suas vestes. Tira de lá um isqueiro e um cigarro, ao qual acende cuidadosamente tapando o vento com a mão esquerda.


   A fumaça se espalha no meio da noite, até desaparecer por completo. O barulho na esquina vai diminuindo, está ficando tarde. O homem olha para a sua esquerda, e então para a direita: Nada. De repente, ele escuta um estampido seco atrás de si e se vira instintivamente. Lá encontra dois homens vindo em sua direção. Dois rostos familiares.






-Caro Gregório, quanto tempo! – Diz o primeiro, enquanto se aproxima. O recém-chegado é alto, negro. Apesar de não poder ver a sua feição detalhadamente, Gregório o reconhecia como um amigo de longa data. Vestia uma roupa quase completamente negra, estampada com uma cruz vermelha ao centro. –Que cara é essa? Não vai me dar más notícias, hein... – O homem aperta a mão de seu velho amigo, era jovem e não parecia ter mais que quarenta anos.
-Temo dizer que sim, Miguel. - Gregório diz sorrindo tristemente.
O outro indivíduo vai passando direto, vestindo um sobretudo e um chapéu coco discreto. Dá para notar sua franja ruiva que cai-lhe a testa. Ele se vira para os outros dois.


-Vamos, Miguel. Sabe que não há tempo para isso. As coisas estão se tornando mais complicadas a cada segundo! –






   Assim os homens adentram um bar deserto na esquina, e esperam por uma outra pessoa.


-Três das melhores cervejas que tiver! –Fala Miguel, apoiado no balcão enquanto gesticula para o homem baixo e gordo com aparência de barman. O trabalhador anota o pedido e desaparece entrando por uma portinhola que leva para a cozinha do local.






   Os três amigos procuram por uma mesa próxima a janela. Existe um grande adesivo com a foto do barman carrancudo, que sorria de forma exagerada. “Bar do Joe: beba para esquecer, mas não se esqueça de beber”. Eles penduram os casacos nas cadeiras e se sentam.






-Vai chover, parece. – Diz Gregório, num tom de preocupação enquanto olhava pela grande vidraça.


-Você tem andado tempo demais com os humanos, amigo. - Precipita-se Miguel. –Isso não é problema para nós. –






   Um clarão colorido no meio do salão atrai a atenção de todos, junto com o som de algo caindo. Um homem albino de cabelos grandes brancos aparece em pé no meio do bar, onde uma pequena fumaça preta ainda se dissipava. Ele se dá leves tapinhas pelo corpo, como se estivesse se limpando. O homem, conhecido a todos como Lúcian, se junta a seus amigos na mesa.






-Estou atrasado, não é? Desculpem a demora, camaradas. – Diz em um tom animado. –Estava fazendo a varinha do meu garoto... Já está com treze anos, sabiam? Mas enfim, do que se vale a honra de meu convite? –






   A conversa é interrompida por Joe, que entra novamente na sala trazendo três grandes e espumantes canecas de cerveja numa bandeja. Mancando sob o peso da idade, caminha até a mesa dos quatro homens e serve a todos, com exceção do albino.






-Desejam mais alguma coisa senhores? – Diz o rapaz, fazendo uma espécie de reverencia.


-Não, obrigado... – Começa Miguel- Ah... Perdoe minha falta de educação, Lúcian, vai querer alguma coisa?- Dirige a palavra ao recém chegado companheiro.






-Não bebo. Mas de qualquer forma, obrigado. – Sorri, enquanto o barman os deixa a sós outra vez.






-Ele é sempre falante, é? Esse Miguel?- Pergunta Rufus, o mais rabugento do grupo. Era o homem que aparecera com Miguel na rua. Tinha uma franja ruiva e expressão gasta, cansada. -Desde que fiquei encarregado de trazê-lo aqui ele ainda não calou a boca. –






-Com certeza. – Respondem em coro. Miguel levanta seu copo de cerveja, como num brinde ao comentário de seus amigos.






-Sem mais delongas, vou apresentar o motivo de estar reunido com vocês, hoje. – Disse Gregório, tirando de seu casaco um envelope escuro. –A situação... Companheiros... – Ele abre o envelope e mostra seu conteúdo: Vários papéis com gráficos e estatísticas coloridas. – É crítica. –






Por um momento todos se olham, sem saber o que fazer ou falar. Gregório não faz nenhuma pausa em seu discurso.


-... Como sabem, Ricardo vem mostrando toda sua antipatia pelos humanos nos últimos meses, então a inteligência foi colocada atrás dele. Não demorou muito até que descobrissem que ele está formando um exército. –






Uma expressão de surpresa e pânico se alastrou pelo rosto de todos, exceto Rufus, que apenas franziu a testa.


-E já sabem para que ele formou esse exército? Pode ser apenas por precaução... –


- Precaução contra o quê?! Não seja ingênuo, Rufus... – Um sorriso maldoso se espalhou pelo rosto de Gregório. –Você sabe que ele não é dessas coisas.






   Uma fumaça preta surgiu no meio do bar e foi se alastrando pela sala, cegando a todos. Assustados, os amigos se calaram na mesma hora. Todos admiraram a cena sem reação, até que por fim a fumaça rodou contra si mesma, até desaparecer. Agora havia outro homem entre eles. Este era jovem e branco, de aparência imponente. Tinha um curto cabelo preto, se vestia socialmente. Não parecia ter mais do que vinte anos, para ser sincero.






-É feio falar dos outros pelas costas, sabiam?–






   Rufus sentiu o coração gelar enquanto olhava para o Príncipe da Escuridão. Gregório catou todos os papeis o mais rápido que pode, jogando-os para dentro das vestes desajeitadamente. Miguel levantou-se furiosamente:


-O que você faz aqui, Ricardo?! – Seus olhos tomavam uma coloração avermelhada enquanto a raiva crescia dentro de si.






Rufus fez questão de segurá-lo, o mais rápido que pôde. –Não vale à pena... – Ele dizia com um voz calma e convincente.


Ricardo agora olhava debochadamente para eles. –Ora... Ora... O que temos aqui? – Disse com sua voz suave, enquanto se aproximava da mesa. Com sua mão direita, pegou um papel que havia caído ao chão no meio da tentativa falha de organizar os documentos. –Espionagem, não é? –






   Seu aspecto calmo mudou de repente, estalou os dedos. De repente surgiram mais cinco homens no espaço apertado do bar. Os seus subordinados pegaram a todos os que se reuniam na mesa, imobilizando-os. Enquanto Ricardo apenas sorria, seus empregados carregavam a todos para fora.


-Isso não é uma revolta. Isso é uma revolução... – Falou em voz alta.


-Você é maluco! – Gritava Lúcian, tentando se livrar da mão deles.


-... É o começo de uma nova era! – Gritava Ricardo feliz, até ser surpreendido pelo som de uma portinhola de madeira que se abriu ruidosamente atrás dele. Joe entrava novamente, carregando consigo outra bandeja de bebidas. O pobre homem não poderia ter escolhido momento pior para entrar.


-Humano? - Ricardo perguntou confuso. Mas logo se recuperou da dúvida, quando um sorriso malicioso se apoderou de seu rosto. Seus olhos foram ganhando aos poucos uma coloração avermelhada, enquanto encarava o senhor que observava tudo assustado. Com uma última risada de triufo, Ricardo olhou para um de seus homens.
-Mate-o.



[...]


   Guilherme acordava assustado. O cabelo ruivo estava encharcado de suor e sua coberta colada ao corpo. Aquilo só podia ser um pesadelo. Mas sonhar assim, com pessoas que ele jamais viu... E amanhã era seu primeiro dia de aula. Com certeza devia ser um presságio: seria um dia assustador.


  Sentiu sua garganta seca. O copo d’agua que sempre deixava na cabiceira estava vazio. Foi uma noite quente. Ele olhou em volta, observou todo o seu quarto: Paredes brancas, um pôster de Michael Jackson ao lado da porta. O armário encostado na parede do outro lado, a televisão em cima da cômoda e sua cabiceira, com livros de matemática e ciências, todo o material para amanhã cedo – Além de um copo vazio -.


   Levantou-se, deu um bocejo e se espreguiçou bem. Ajeitou a blusa e pegou rumo ao corredor, estalando a língua. Estendeu a mão até a maçaneta e viu em seu braço a marca de nascença em forma de uma lua minguante. Abriu a porta vagarosamente e olhou para o corredor escuro. Por força do hábito, ele aperta o interruptor. Num susto, Guilherme é praticamente cegado pela luz e se apressa a tapar os olhos com o antebraço. Parado, ele espera que a visão se acostume para continuar.


   Passando pela sala, -ainda com as pálpebras meio fechadas- Consegue identificar o video game Xbox no canto, em cima da estante. É... Agora só nos finais de semana. Pensou. O menino passara praticamente as férias todas grudado na televisão. Era um garoto de 14 anos que nunca gostou de esportes. Não fazia sentido para ele jogar qualquer coisa com uma bola: Era estranho... Era chato. Sua atividade preferida era jogar os jogos de tiro que ele tanto gostava: os FPS.


   Na cozinha, ele vai até a geladeira e pega uma nova jarra de água. Leva-a inteira até o quarto e enche seu copo. Só depois percebe que está com muita preguiça para devolver a jarra. Guilherme se joga na cama -não antes de beber dois copos cheios - e cai no sono rapidamente.

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